Nem sempre bem para a vida

Tem dias que o despertador do celular toca, ainda no escuro, e eu só quero virar para o outro lado, puxar um pouco mais a coberta e me enrolar num canto mais quente e seguro da cama. Mas ele toca de novo e eu vou tentando fingir que não escuto e quando vou ver já encostei o pé direito no chão gelado.

Acordo para o dia, nem sempre para a vida.

O problema não é o escuro das 4h da manhã, horário que me pede desperta, disposto, de forma religiosa de segunda à sexta. O que me aflige mesmo, às vezes, é viver. Ter que ir lá fora e ser uma pessoa. Ser obrigada a planejar, me esforçar. Há dias na vida, vários, que eu não tenho a menor vontade de fazer nada dar certo. Prefiro que as coisas fiquem como estão.

Não quero ter coragem, ser criativo, nem educado. Não quero ter que olhar o copo cheio. Quero beber toda a água e enxergar o vazio. Quem sabe derrubar o copo, deixar que o caos tome conta da vida tão limpinha e cheia de regras, horários e metas.

Não quero ver o sol brilhar, as pessoas sorrirem, ler coisas inteligentes, me impressionar. Me basta um xícara de café quente da minha marca preferida que faça apenas um carinho no estômago. Não quero receber memes no celular, ver conversas chatas em grupos chatos, fotos, comentários, nem me engajar em causas que possam salvar o mundo. Não quero saber ou me importar. Não quero ter opinião, porque descobri que tenho poucas certezas que servem para os outros. Há dias em que gostaria de me dedicar com afinco à adoração exclusiva do meu próprio umbigo, porque não sei se eu mesmo tenho salvação em mim mesmo.

Tem sempre alguém para te empurrar, te animar, trazer conforto, chocolate, drogas lícitas ou não. Hoje, não. Hoje, faltou coragem, faltou vontade. Eu só quero mergulhar num montão de mau humor e de falta de empatia e sofrer por problemas que tenho. Quero desafiar o remédio.

Tá triste, decepcionado, deprimido? Não, só com uma preguiça gigante da obrigação de ser feliz todos os dias. De ser legal, de dizer as coisas certas, de fazer de conta que gosto das pessoas, de agradar os outros, de falar o que o esperam de mim. Só por hoje, quero curtir essa fossa, me enrolar num cobertor e comer um pouco de açucar para repor todo o estoque de O - que foi com a doação, enquanto o mundo acaba lá fora.

Só por hoje, quero me permitir ser infeliz. De vez em quando faz bem. Hoje é um bom dia. Amanhã, volto com a programação normal.