Quartas

A vida tem sido o que sempre foi. Essa quarta-feira,  com gosto de quarta-feira de cinzas com restinho de não sei o quê no chão. Os mesmos medos, a mesma coragem, a mesma padaria na esquina, o mesmo rancor, a gastrite, a dor no peito, as dor crônica na cabeça, a pele empolada, a garganta fechada. O corpo provando o contrário: que nada fica impune a nada. E embora eu diga que não, o dia a dia, o café, o carteiro, o gerente do banco, a TV, o sofá, tudo está, desde então, seguindo a mesma rotina de segunda-feira, como se imunes a toda mágoa do mundo.

Ainda preservo minhas rotinas, os longos banhos da manhã, o check list mental exato para cada trajeto de carro, a leitura antes do sono, o som do rádio AM que atravessa a madrugada, o café Mellita no meio da tarde, o pão com a manteiga com sal, este, um inimigo oculto. E as manias: não fazer sombra no prato enquanto como, escovar os dentes começando pela lingua e mexer a cabeça como se eu tivesse cabelo longo e o tivesse tirando do rosto.

E eu só quero saber de retomar meu tempo. Não estou absolutamente confortável dentro do tempo que outrora sobrava. O tempo tem seu devido tempo e quem sabe este que hoje é destinado ao acumulo de mágoas e decepções, hoje gasto com TV aberta, sofá, na bagunça do quarto, do ralo entupido, da louça suja. Essas coisas todas que eu não lembrava o peso que tinham sem ranhura do pesar. 🔻⿹