Não estar nunca mais só

Estamos sós neste mundo. Digo isso, não porque li nos livros, mas porque eu posso fechar os olhos e ver e sentir isso dentro de mim.

Vejo a mim mesmo no estado em que estou, com meus limites e minhas potencialidades, com minhas alegrias e tristezas, vejo meus sonhos e minhas frustrações, vejo minhas aspirações e minhas relações afetivas, mas, sobretudo, eu vejo que estou só e, mais que isso, sou só.

Não importa se externamente estou com alguém ou não; internamente eu sei e sinto que estou só.

Amo alguém – pai, filho, filha, irmãos e poucos amigos.

Esse sentimento é bom e puro. Mas junto com ele vem outras coisas que trago de minha história pessoal: as minhas carências, as minhas crenças, as minhas projeções, os meus medos e inseguranças.

Junto com ele vem a paixão, vem o apego, vem a possessividade, vêm as juras de amo para pessoas tão insignifivantes que por sua essência ou falta delas apunhalam pelas costas, mentem e vivem num mar de falsidades.

Fico agarrado a uma dessas pessoas e um pensamento aflora: o de que eu não estou só, de que existe pelo menos um alguém com quem posso contar - pode ser você minha futura companheira, pode ser meu filho, pode ser meu pai ou minha mãe em oração.

Esse pensamento me toca bem no fundo, mas é um pensamento. E se nesse exato momento eu for capaz de fechar os olhos, aquietar minha mente e, principalmente, ir além dos pensamentos, verei que estou só. Momentaneamente: amanhã a vida se abre para nós.

O outro é real, ele está ali. E é verdade que eu posso contar com esse outro alguém no que se refere a um bom ouvido para escutar os meus lamentos e as minhas alegrias, no que se refere a um carinho e uma palavra amiga e sincera, no que se refere a um apoio material, no que se refere a uma solidariedade e lealdade já são outros quinhentos.

Solidariedade e lealdade são coisas natas. Não se adquire em falsas promessas pois as promessas sempre darão lugar a falsidade. A falta de carater é íntrinsica até nas palavras.

Isto já me bastou. Basta! Basta de inverdades e do seu sempre enganar.

Mas ainda assim, se eu for capaz de fechar os olhos e entrar em contato com meu interior, verei e sentirei que até então estava "momentaneamente" só.

Nunca lancei farpas pelas costas. Nunca enganei ou menti.

Só com minha liberdade, só com minha responsabilidade para comigo mesmo, só com minhas escolhas, só com meu silêncio, só com meu prazer e minha alegria mais pura e profunda.

Essa consciência de que estou só, não vem chegando como resultado de um grande esforço – eu não tenho estado repetindo para mim mesmo, “eu estou só, eu estou só, eu estou só”.

Essa consciência está chegando como resultado da dissolução natural de ilusões, de sonhos e de projeções que eu criei e crio; do desmonte de crenças e sonhos em que me apoiei neste ano de 2010.

Eu errei. Pessoas vestem-se mas a essência delas é ruim. Mentem enganam e simulam.

Essa consciência tem sido o resultado de um processo que incluiu a criação dessas ilusões e sonhos, incluiu a crença nessas ficções, o apego a elas, a luta por elas com toda minha força. Mas, acima de tudo, nesse processo aprendi o poder da observação, aquilo que chamamos de “estar atento”.

A observação desidentificada acontece junto e através da meditação. Assim, e só assim, as ilusões, as ficções, os apegos, tudo se dissolve naturalmente.

Antes que tudo se dissolva e desapareça, vivo freqüentes recaídas, experimentando a dor de ver cada ilusão e cada ficção escorrendo por entre meus dedos, sem ter forças para segurá-las.

No estágio em que me encontro, tenho um especial prazer em me deixar levar por certas seduções que mais se parecem.

Mas procuro ficar atento e observar essas seduções, como elas atuam em mim, as minhas reações. Curto aquilo que quero curtir, mas procuro me manter atento para não me identificar com a ilusão, com a ficção.

No fundo, essa atenção alimenta a minha consciência de que estou só – no mundo, vivendo a vida, me relacionando, dando e recebendo, mas internamente estando só. Momentaneamente.