Estar só

Tenho andado só. Tenho me sentido só. Não aquele só que você cansou de ouvir - aquele só da sua ausência, aquele só que me encontro desde que eu não te tenho, se eu tiver tido, não aquele só que é só a sua saudade, a sua falta, que, na verdade, nem me falta mais, já se tornou parte de mim.
É estranho, mas a falta de algumas pessoas se torna parte de nós, algo que às vezes ignoramos, a vida sufoca, mas está lá. Como os passos que a gente dá sem pensar no movimento de cada perna. Quando você anda você não pensa "vou mexer essa perna, agora vou mexer a outra", você apenas mexe, movimenta e anda, mas insconcientemente o pensamento está lá.
A falta da pessoa que amamos é assim, com o tempo a gente acostuma, passa até despercebido, mas é essa falta que se torna o pensamento que faz a gente seguir, como o pensamento em segundo plano que faz a gente dar cada passo. Você não está aqui, mas você sempre está aqui, então não é desse só que eu venho te falar hoje.
Estou só, morando só, numa” nova casa”, na mesma cidade e em outros novos trabalhos. Muitas vezes eu desejei ter alguma chance para me mudar e conseguir te esquecer, em uma tola ilusão de que fosse o lugar que me fizesse amar, de que longe eu deixaria de querer você perto.
Agora moro só e tendo tido cada vezes menos tempo para tudo. Tenho tido menos tempo até para pensar em você. É que antes eu sentia a falta de alguém que eu amava, agora eu sinto a falta de todas as pessoas que eu amo no mundo e que não estão aqui comigo.
Dores crônicas tem sufocado o tempo para escrever textos em meio a minha vida anacrônica querendo você, que a cada novo hoje se torna tão mais longe de cada ontem. Mas tenho descoberto muita coisa.
Descobri que há frios que nenhum agasalho tira. Percebi que a saudade de quem se ama dói quando quem se ama está distante, mas que ela dilacera quando quem se ama está ausente.
É diferente distante de ausente, a distância é a falta física inevitável e a ausência é quando quem você ama escolhe não estar. Tenho tentado aceitar que as pessoas fazem escolhas e têm o direito de fazê-las, mas que às vezes essas escolhas não incluem você. Notei como nunca que você só pode contar com quem você pode contar.
Morando só você percebe que, por mais útil que seja a Internet, nada faz mais companhia do que uma TV que de longe chia, chia com o som daquele programa que você não quer ver, mas tem o único barulho capaz de abafar a voz da saudade de todos aqueles que você quer ver, mas não surgem, mesmo que se troque várias vezes de canal.
Pagando as contas você percebe que você parcela as dívidas para doer menos no bolso, mas a vida não parcela dores e medos, ela manda todos de uma vez, mesmo que você não dê conta de arcar com eles. A cada dia aprendo que com a saudade todo lugar se torna imenso e impossível de ser preenchido, mesmo este quarto no qual vivo, grande mais ao mesmo tempo tão apertado que parece o menor do mundo, mas às vezes tão solto quando nele não encontro o apertar do seu abraço.
Constato que a distância ensina melhor do que qualquer dicionário a diferença entre casa e lar. Sinto vontade de ouvir até os gritos da minha mãe querendo que eu fosse quem eu nunca vou ser. Sinto vontade de gritar, mas não tem ninguém aqui para me ouvir (você pode me ouvir? você quer me ouvir?).
Acredito cada vez mais que covarde é quem não chora, é quem não sente, pois é preciso ser forte para se permitir sentir e crescer. Penso no quão longe estou de casa e me dói saber que eu iria ainda mais longe se algum caminho me trouxesse você.
Até agora a vida nova que eu desejei me trouxe apenas a vontade de voltar a ter a minha vida velha, mas eu sei que isso pode mudar a qualquer momento. Ser romântico, sensível, crítico, melancólico e capricorniano é ter uma bomba relógio no peito prestes a explodir. Sou só morando só, só de sem você, só de sem ninguém, só como posso e como só preciso ser.
Mas essa solidão tem sido a companhia para me fazer crescer e aceitar o que é e o que nunca deveria ter sido. Ser só e aceitar (me enganar) tem sido o melhor que poderia me acontecer. Sou só, vivo só, porque aqui ou aí - quem saberia dizer - nunca fomos nós.